6° Relatório de Avaliação do IPCC: O documento que interessa a todos os seres vivos que habitam a Terra

Autora: Julia Helena Galante

“Um futuro habitável e sustentável para todos” são as últimas palavras da segunda parte do Sexto Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas (IPCC – ONU) divulgado no começo deste ano, o qual foca em impactos, adaptação e vulnerabilidade. Desta vez, é analisada a viabilidade, eficácia e potencial de várias medidas de adaptação climática para fornecer cobenefícios, como melhores resultados de saúde ou redução da pobreza.

É um relatório crítico pois descreve os impactos climáticos em todos os setores econômicos e em todos os seres humanos globalmente, e o que pode ser feito para responder a essas ameaças. São avaliações internacionais muito importantes porque não são políticas, na verdade se trata da comunidade científica se unindo para que os países possam agir.

As descobertas mostram que o colapso climático está acontecendo mais rápido do que o esperado, e que a oportunidade de agir está se esgotando. Este relatório é, portanto, um apelo de emergência aos governos, aos atores do setor privado e à sociedade civil para que tomem medidas drásticas contra as mudanças climáticas.

Relatórios abrangentes de avaliação científica são publicados a cada 7 ou 8 anos. O Quinto Relatório de Avaliação foi concluído em 2014 e forneceu a principal contribuição científica para o Acordo de Paris, de 2015. A terceira e última parte do Sexto Relatório de Avaliação (AR6) foi divulgada recentemente, no dia 04 de abril de 2022, e o próximo novo relatório será elaborado apenas em 2030, isto é, esses dados serão a ciência utilizada até o final da década.

Na terceira parte, é revelado um recorde histórico das emissões globais médias de gases de efeito estufa, totalizando 59 bilhões de toneladas emitidas em 2019, um valor 12% maior do que em 2010 e 54% maior do que em 1990. Isto é, um crescimento nas emissões de 9,1 bilhões de toneladas a mais do que na década anterior. Desde a Era Pré-Industrial até os dias atuais, a humanidade já emitiu 2,4 trilhões de toneladas de CO2 na atmosfera, (17% apenas na última década).

É necessário limitar o aquecimento global a 1,5°C com reduções imediatas e profundas em todos os setores. Se não houver um reforço ainda maior de políticas, as emissões devem  provocar um aumento médio de 3,2°C até 2100, causando danos irreversíveis ao planeta. O relatório expressa que é imprescindível reforçar ações de curto prazo e as contribuições nacionalmente determinadas antes da realização da COP 26, a mais recente Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas. Esse esforço poderia reduzir ou até mesmo, em alguns casos, evitar desafios de viabilidade de longo prazo no cenário global que limita o aquecimento a 1,5°C.

Nós sintetizamos os highlights do AR6. Confira as principais conclusões.

Pela primeira vez em um relatório do IPCC, foi afirmado que as mudanças climáticas podem estar intensificando problemas de saúde mental, como estresse e traumas relacionados a eventos extremos, falta de acesso à água potável, perda de meios de subsistência, dificuldades para produção de alimentos, e a segurança alimentar de muitas pessoas.

Apenas na próxima década, as mudanças climáticas levarão 32 a 132 milhões de pessoas ao redor do mundo a condições análogas de pobreza, aumentando a mortalidade relacionada ao calor, doenças cardíacas, insegurança alimentar, e desafios da saúde mental. O aumento da frequência e intensidade de eventos climáticos extremos e mais drásticos, como tempestades, alagamentos, secas, incêndios florestais, furacões, e nevascas, ameaçam a saúde e a segurança de milhões de pessoas globalmente, por impactos diretos ou por consequências das dificuldades para produção de alimentos e acesso à água potável.

Desigualdades sociais, conflitos e desafios de desenvolvimento, como pobreza, governança fraca e acesso limitado a serviços básicos como saúde, aumentam a vulnerabilidade aos riscos climáticos, e restringem a capacidade das comunidades se adaptarem às mudanças climáticas. Estima-se que atualmente mais de 40% da população mundial é altamente vulnerável às mudanças climáticas, isto é, são cerca de 3,6 milhões de pessoas atualmente vivendo em países altamente vulneráveis. Como exemplo, a mortalidade por secas, tempestades e inundações em nações altamente vulneráveis, entre 2010 e 2020, foi 15 vezes maior do que em países com baixa vulnerabilidade. Avalia-se que, até 2030, secas extremas em toda a Amazônia irão estimular a migração para cidades, onde povos indígenas e comunidades tradicionais provavelmente serão forçados a viver em situação de pobreza.

Riscos e ameaças estão aumentando rapidamente, e eles podem causar impactos irreversíveis às pessoas, espécies de fauna e flora e ecossistemas por completo. O relatório revelou que, com o aumento de apenas 1,5°C, mais de 350 milhões de pessoas sofrerão escassez de água até 2030, 14% das espécies terrestres enfrentarão altos riscos de extinção, e muitas geleiras ao redor do mundo desaparecerão completamente. Isto é, exceder o aquecimento de 1,5°C, mesmo que temporariamente, trará efeitos muito mais severos e irreversíveis para o planeta como um todo, aumentando também a probabilidade de eventos de alto impacto como a morte em massa de florestas, o que transformaria importantes sumidouros de carbono em fontes de emissão.

Conclui-se que a adaptação é crucial. Já existem soluções viáveis porém é necessário ação urgente. O IPCC considera que os esforços atuais ainda são em grande parte incrementais, reativos e de pequena escala, com a maioria concentrando-se apenas nos impactos atuais ou nos riscos de curto prazo. As políticas climáticas de pelo menos 170 países agora incluem adaptação, mas muitos ainda precisam ir além do planejamento para a implementação. Com isso, persiste uma lacuna entre os níveis de adaptação atuais e os necessários, impulsionada em grande parte pelo apoio financeiro limitado. É constatado que as opções de adaptação existentes podem reduzir os riscos climáticos se forem suficientemente financiadas e implementadas mais rapidamente.

Enfrentar a crise climática não será fácil. Este relatório do IPCC deixa explícito que não há alternativa senão os governos, o setor privado e a sociedade civil intensificarem suas ações. Este relatório concerne a todas as formas de vida que habitam o planeta Terra.

 

Fontes principais:

  • IPCC, 2022: Climate Change 2022: Impacts, Adaptation, and Vulnerability. Contribution of Working Group II to the Sixth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change.
  • IPCC, 2022: Climate Change 2022: Mitigation of Climate Change. Contribution of Working Group III to the Sixth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change.

Fontes de apoio:

World Resources Institute. 6 Big Findings from the IPCC 2022 Report on Climate Impacts, Adaptation and Vulnerability. 27 fev. 2022.

Observatório do Clima. 21 Recados Fundamentais do Novo Relatório do IPCC. 04 abr. 2022.

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